segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Paz, tão doce paz



Rev. Hernandes Dias Lopes

A paz é o sonho de consumo de todo ser humano. O homem busca a paz em todos os lugares, por todos os meios e até faz guerras para alcançá-la. As religiões prometem a paz. O dinheiro tenta comprá-la. Os prazeres desta vida oferecem-na como cardápio do dia. Mas, o que é a paz? Onde encontrar a paz? Como podemos recebê-la? Precisamos primeiramente entender que a verdadeira paz não é quietude ou meditação transcendental nem uma incursão pelos labirintos da nossa alma. Não alcançamos a paz cavando os poços de nosso próprio coração. Ainda precisamos entender que a paz não é ausência de problemas. Não é paz de cemitério. A verdadeira paz coexiste com a dor, é temperada com as lágrimas, e estende suas raízes no solo duro do sofrimento. Vamos, agora, tratar de dois aspectos da verdadeira paz.


1. A paz com Deus. O homem é um ser rebelado contra Deus. Toda a inclinação do nosso coração está contra Deus. Somos, por natureza, inimigos de Deus. Não nos deleitamos em Deus nem temos prazer em obedecer a sua lei. Apesar de termos virado as costas para Deus, Deus jamais desistiu de nós. Ao contrário, amou-nos com amor eterno e buscou-nos com desvelo singular. Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo. Foi Deus e não o homem quem tomou a iniciativa da reconciliação. O homem cavou abismos no seu relacionamento com Deus, mas Deus construiu uma ponte segura para reatar esse relacionamento. Jesus veio ao mundo como nosso mediador, representante e fiador e morreu na cruz pelos nossos pecados a fim de reconciliar-nos com Deus. Fomos justificados. Nossa dívida foi paga. Estamos quites com a lei de Deus. A justiça de Deus foi satisfeita. Agora não há mais barreira entre nós e Deus. Fomos reconciliados com Deus. Agora temos paz com Deus. A paz com Deus fala de relacionamento restaurado. Não somos mais réus, mas filhos. Não somos mais estranhos, mas amigos. Não estamos mais distantes, fomos aproximados. Não estamos mais em guerra contra Deus, agora temos paz com Deus. A paz com Deus não é alcançada por aquilo que fazemos para Deus, mas por aquilo que Deus fez por nós. Não obtemos essa paz pelo nosso sacrifício, mas pelo sacrifício de Cristo na cruz por nós.



2. A paz de Deus. Se a paz com Deus fala de relacionamento, a paz de Deus fala de sentimento. A paz de Deus é consequência direta da paz com Deus. É impossível experimentar a paz de Deus sem primeiro conhecer a paz com Deus. A paz com Deus é a causa, a paz de Deus é a consequência. A paz com Deus é operada fora de nós, no tribunal de Deus; a paz de Deus é experimentada dentro de nós, em nossa mente e coração. A paz com Deus tem a ver com nossa posição aos olhos de Deus no céu; a paz de Deus tem a ver com nossa intimidade com Deus na terra. A paz de Deus é uma sentinela ao redor da nossa mente e do nosso coração livrando-nos da ansiedade. É uma muralha divina que protege nossa razão e nossa emoção dos temores que rondam a nossa alma. É desfrutar de uma doce paz no meio do vale escuro. É ter uma mente segura e um coração sereno mesmo na tempestade borrascosa. É confiar plenamente em Deus, mesmo que o mundo ao nosso redor se transtorne. É viver com o coração no céu, mesmo que os nossos pés sejam feridos na terra. A paz de Deus não é uma paz química, que se compra na farmácia. Não é uma viagem para o interior do nosso coração pelas vias da meditação transcendental. Não é o produto de técnicas psicológicas nem o fruto de processos místicos, mas o resultado de orarmos, pensarmos e agirmos corretamente. Aqueles que têm paz com Deus podem e devem experimentar a paz de Deus. Aqueles que foram reconciliados com Deus por meio de Cristo, já estão livres da condenação diante do tribunal de Deus e devem estar livres de toda ansiedade e temor diante das lutas da vida. Oh, paz, tão doce paz! Oh, consolo sem par! Oh, ventura sem igual!

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Neemias: Um Líder Sensível



Pr. Altair Germano

Dentre as muitas qualidades da liderança de Neemias, a sua sensibilidade é a que destacarei. Por sensibilidade falo de sua capacidade de ouvir, sentir e reagir diante das necessidades e calamidades que assolam o próximo.


UM LÍDER SENSÍVEL AO PROPÓSITO DE DEUS EM SUA VIDA

"[...] E o rei mas deu, porque a boa mão do meu Deus era comigo." (Ne 2.8b)

Nenhuma líder espiritual será bem sucedido plenamente se não for sensível, se não tiver a consciência de que a sua liderança tem um propósito que vai para além do acaso, ou de algum acidente ou incidente histórico. Neemias entendeu que estava onde estava, que fazia o que fazia, que era quem era, porque Deus estava naquele negócio:

"Ah! Senhor, estejam, pois, atentos os teus ouvidos à oração do teu servo e à dos teus servos que se agradam de temer o teu nome; concede que seja bem sucedido hoje o teu servo e dá-lhe mercê perante este homem. Nesse tempo eu era copeiro do rei." (Ne 1.11)

Não temos informações pormenorizadas de como Neemias chegou a ocupar um cargo de tão grande confiança, o de copeiro do rei. O fato é que ele estava lá, e estava à disposição do Rei Eterno. Neemias estava em Susã, a fortaleza, mas sua mente e pensamentos viajavam até Jerusalém em busca de informações e notícias sobre o seu povo.

Aprendemos aqui com Neemias, que as mais altas posições e os mais importantes espaços que conquistamos não devem nos afastar do cuidado para com o nosso povo, nossos amigos, parentes e familiares. Há um propósito divino, há uma missão a ser cumprida.


UM LÍDER SENSÍVEL À REALIDADE CONCRETA E HISTÓRICA DO SEU POVO (1.1-3)

Neemias não era um daqueles líderes alienados, indiferentes e despreocupados para com as questões de sua época. Seu livro começa com dados históricos e concretos:

"As palavras de Neemias, filho de Hacalias. No mês de quisleu, no ano vigésimo, estando eu na cidadela de Susã, [...]" (Ne 1.1)

Ele se situa no tempo (mês de quisleu, no ano vigésimo) e no espaço (na cidade de Susã). Ele se percebe sujeito histórico, mas do que isso, ele se percebe ator na história, e não um mero espectador dela. Ele está interessado em transformar a história para a glória de Deus, e não apenas assisti-la de camarote. Para isso ele busca informação, ele quer saber das coisas, mas quer saber de tudo e com detalhes. Ele não deseja uma informação mascarada, não espera que maquiem a realidade dos fatos. Somente quando temos uma informação real sobre os fatos é que podemos agir no sentido de cooperar no rumo das mudanças.

Neemias se encontra aqui no estágio embrionário da busca pela "informação":

"[...] veio Hanani, um de meus irmãos, com alguns de Judá; então, lhes perguntei pelos judeus que escaparam e que não foram levados para o exílio e acerca de Jerusalém. Disseram-me: Os restantes, que não foram levados para o exílio e se acham lá na província, estão em grande miséria e desprezo; os muros de Jerusalém estão derribados, e as suas portas, queimadas." (Ne 1.2-3)

Hanani foi preciso em seu relato das reais condições do povo e da cidade de Jerusalém. A situação do povo era de "grande miséria e desprezo", enquanto a da cidade era de destruição e assolação. Na condição de líderes, precisamos de amigos e irmãos como Hanani, que não esconde de nós a realidade nua e crua, que não omite na notícia a gravidade do problema. Infelizmente, diante das mais devastadoras crises institucionais, familiares, sociais, etc., nem sempre encontramos gente com a lucidez e a sinceridade de Hanani.

Ao ouvir a "informação", Neemias avança desse primeiro estágio para o segundo, o da "sensibilização".

UM LÍDER SENSÍVEL EMOCIONALMENTE

"Tendo eu ouvido estas palavras, assentei-me, e chorei, e lamentei por alguns dias;" (Ne 1.4a)

Ter a informação da realidade não é o suficiente na vida de um líder espiritual. O líder precisa ser tocado emocionalmente pelos fatos. Saber sobre grandes calamidades, e não experienciar fortes emoções, é sinal de insensibilidade, frieza ou indiferença. Neemias escuta, e de imediato manifesta com a linguagem corporal a sua dor. Ele se assenta e chora. Ele é tocado, se comove, não suporta ficar em pé, não engole o choro, não reprime as lágrimas. Não se importa com o que vão pensar de um homem que chora, simplesmente chora, geme, sofre.

Suas emoções não se manifestam apenas na linguagem corporal, ele também verbaliza seus sentimentos com lamentos. Suas emoções e sentimentos não são do tipo que surgem e logo desaparecem, ele lamenta "por alguns dias". Sua dor é internalizada, remoída, revivida, ruminada, mas não o abate, não o desanima, não o estagna. Não é dor somente para ser sentida, antes, é dor para ser produtiva. Não é dor para causar depressão, é dor para promover ação.

UM LÍDER SENSÍVEL ESPIRITUALMENTE

" [...] e estive jejuando e orando perante o Deus dos céus." (Ne 1.4b)

Em meio ao seu sentimento e dor, Neemias percebe os fatos de uma perspectiva espiritual. Ele não se deixa levar simplesmente pela emoção do momento. Neemias busca o caminho do jejum e da oração. Neemias entende que depender e confiar em Deus, que buscar seu conforto, ajuda e direção é o melhor caminho.

Aprendemos com Neemias que grandes decisões implicam em dias de jejum e oração. Infelizmente, muitas decisões nos dias atuais resultam de meras reflexões e análises humanas. Deus está excluído de muitas reuniões, de muitos gabinetes pastorais, de muitas mesas diretoras de organizações "cristãs". Deus não é convidado para participar das reuniões. Seu nome pode ser até mencionado nelas, mas apenas por mera formalidade. Onde o jejum e a oração faltam, sobra a arrogância, a prepotência, a altivez, o orgulho, a loucura, a insensatez. É tempo de jejuar e orar perante o Deus do céu. É tempo de adorá-lo e buscá-lo.



A sensibilidade espiritual de Neemias faz com ele perceba também alguns atributos de Deus :



"E disse: ah! SENHOR, Deus dos céus, Deus grande e temível, que guardas a aliança e a misericórdia para com aqueles que te amam e guardam os teus mandamentos!" (Ne 1.5)



Neemias percebe a grandeza, a fidelidade e a misericórdia de Deus. Sendo grande como é, não há situação ou quadro que o Deus dos céus não consiga reverter, mudar, alterar, transformar. A sua fidelidade transmite a segurança e a certeza que alimentam a oração e fortalecem a fé. A sua misericórdia promove alegria, possibilita o entendimento e o conhecimento de que o Deus dos céus é também o Deus dos homens. É o Deus que se comove e que se move na direção de pecadores arrependidos.

UM LÍDER SENSÍVEL MORALMENTE

"Estejam, pois, atentos os teus ouvidos, e os teus olhos, abertos, para acudires à oração do teu servo, que hoje faço à tua presença, dia e noite, pelos filhos de Israel, teus servos; e faço confissão pelos pecados dos filhos de Israel, os quais temos cometido contra ti; pois eu e a casa de meu pai temos pecado. Temos procedido de todo corruptamente contra ti, não temos guardado os mandamentos, nem os estatutos, nem os juízos que ordenaste a Moisés, teu servo." (Ne 1.6)

Longe de adotar uma postura de quem está acima da média, Neemias se inclui no rol dos falíveis, dos imperfeitos, dos humanos, daqueles que pecaram, que procederam corruptamente, que transgrediram os mandamentos. Ele assume a sua responsabilidade moral diante da crise. Longe de ser denuncista e hipócrita, sua oração expressa uma sincera busca por perdão e restauração. A sensibilidade de Neemias faz com que ele entenda que não se encontra chorando, lamentando, jejuando e orando sozinho:

"Ah! Senhor, estejam, pois, atentos os teus ouvidos à oração do teu servo e à dos teus servos que se agradam de temer o teu nome;[...]" (Ne 1.11a)

Há outros "servos que se agradam de temer o teu nome". As grandes misérias e calamidades produzem às vezes a sensação de que sofremos e militamos sozinhos. Graças a Deus que há outros que poderão se unir a nós em dor e em esperança.

UM LÍDER SENSÍVEL AO ENGAJAMENTO


Informação que produz reflexão e emoção, mas que não avança para o estágio da ação, é simples idealismo improdutivo. Neemias escuta, reflete, senta, chora, lamenta, jejua, ora e age. Neemias se mobiliza e mobiliza outros. Até o rei Artaxerxes é por ele influenciado (Ne 2.1-8). Liderança é influência.

Conheço gente que vive continuamente na dimensão ou no estágio da reflexão e da emoção. Gente que pensa, que chora, que lamenta, que jejua, que ora, mas não quer envolvimento. Temem qualquer tipo de exposição. São éximos teóricos e analistas dos fatos, mas péssimos realizadores e interventores. A ação implica em exposição. Quando agimos provocamos nos outros reações boas e ruins, aplausos e apupos, agrados e desagrados, ganhos e perdas. Quem se expõe se arrisca, e nem todos querem correr o risco de perder a aparente segurança e estabilidade que Susã, a fortaleza, produz e garante. Nem todos estão dispostos a abrir mão do cargo, do salário, da confortável condição e da alta posição alcançada.

Neemias nos convida a uma sensibilidade plena, uma sensibilidade que sabe, que entende, que sente, que diz, que faz, que realiza, que transforma.